
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe mudanças significativas na forma como as empresas lidam com informações pessoais. No cerne dessa legislação, encontra-se o conceito de legítimo interesse, uma base legal controvertida para o tratamento de dados pessoais. Neste artigo, exploraremos a definição de legítimo interesse, sua aplicação em casos específicos, e como garantir conformidade, assegurando os direitos e liberdades fundamentais dos titulares de dados.
1. Definição de Legítimo Interesse
Legítimo interesse é uma hipótese legal prevista no art. 7º, IX da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018). Essa hipótese permite o tratamento de dados pessoais gerais, não sensíveis, quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiros. No entanto, é importante ressaltar que esses interesses e finalidades devem estar em conformidade com os direitos e liberdades fundamentais do titular de dados, exigindo a proteção de suas informações pessoais.
2. Natureza dos dados pessoais
Antes de aplicar a hipótese legal do legítimo interesse na LGPD, o controlador deve analisar a natureza dos dados pessoais que serão tratados. Essa análise é crucial para determinar se a hipótese legal é aplicável ao caso concreto. É importante destacar que essa base legal não se aplica ao tratamento de dados pessoais sensíveis, uma vez que sua previsão está apenas no art. 7º da LGPD e não no art. 11, que trata dos dados pessoais sensíveis.
No entanto, o art. 11, II, g, da LGPD autoriza o tratamento de dados pessoais sensíveis quando for necessário para a garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos. Essa autorização é aplicável apenas para atender a uma dessas finalidades específicas, como a prevenção à fraude e essa autorização requer, de igual modo ao legítimo interesse, uma análise e um teste de balanceamento.
2.1 Dados pessoais de crianças e adolescentes
No que diz respeito ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou o Enunciado nº 1/2023, estabelecendo que o tratamento desses dados pode ser realizado com base nas hipóteses legais previstas nos artigos 7º e 11 da LGPD, desde que seja observado e prevaleça o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, conforme o art. 14 da LGPD. Isso significa que é possível utilizar o legítimo interesse e outras hipóteses legais para o tratamento desses dados, desde que o interesse da criança ou adolescente seja considerado e protegido.
3. Teste de Balanceamento
A aplicação do legítimo interesse na LGPD requer um teste de balanceamento, no qual os interesses do controlador ou de terceiros são ponderados em relação aos direitos e legítimas expectativas dos titulares. Esse teste de balanceamento deve considerar fatores como a finalidade do tratamento, os direitos fundamentais dos titulares e a minimização e proporcionalidade do tratamento em relação aos interesses envolvidos.
4. Interesse legítimo
Para aplicar o legítimo interesse, o controlador deve identificar e avaliar a legitimidade do interesse que justifica o tratamento dos dados pessoais. Esse interesse deve atender a três condições:
- Compatibilidade com a legislação: o tratamento dos dados pessoais não deve ser vedado pela legislação vigente e nem pode, direta ou indiretamente, contrariar disposições legais nem os princípios aplicáveis ao caso;
- Lastro em situações concretas: afastando interesses considerados a partir de situações futuras, abstratas ou meramente especulativas;
- Vinculação a finalidades legítimas, específicas e explícitas: descritas de forma clara e precisa, delimitando o escopo do tratamento e permitindo a ponderação dos interesses do controlador ou terceiros com os direitos e legítimas expectativas dos titulares.
Garantir maior segurança e promover serviços do controlador são exemplos de interesses que podem ser atendidos com o tratamento de dados pessoais.
4.1 Interesse de Terceiro
O interesse de terceiro pode ser associado a qualquer pessoa natural ou jurídica, ou mesmo a um grupo de pessoas. Isso também inclui os interesses da coletividade, abrangendo toda a sociedade. Não há diferença nos requisitos legais aplicáveis para o interesse do controlador ou de terceiros. Portanto, o tratamento de dados pessoais com base no legítimo interesse de terceiro requer a mesma análise e teste de balanceamento que o tratamento de dados pessoais com base no legítimo interesse do controlador.
5. Direitos e Liberdades Fundamentais
Um ponto essencial é garantir a autodeterminação informativa, que é o direito do titular de ter o controle sobre o uso de seus dados pessoais. Os controladores devem agir de maneira responsável, garantindo que os titulares tenham conhecimento e participem ativamente das decisões relacionadas ao tratamento de seus dados. Isso inclui o direito do titular de se opor ao tratamento realizado com base no legítimo interesse. Portanto, é fundamental que os controladores disponibilizem canais de fácil acesso para que os titulares possam exercer seus direitos e solicitar medidas como o término do tratamento e a exclusão de seus dados pessoais, quando aplicável.
6. Legítima expectativa do titular
O controlador deve avaliar e ser capaz de demonstrar que o tratamento dos dados pessoais é razoavelmente esperado pelos titulares naquela situação específica. Essa avaliação da legítima expectativa pode levar em consideração vários fatores, como a existência de uma relação prévia entre o controlador e o titular, a forma de coleta dos dados e a finalidade original da coleta. É importante que o tratamento esteja em conformidade com a expectativa razoável do titular em relação ao contexto e finalidade do tratamento.
Exemplo de aplicação do legítimo interesse:
- Envio de mensagens com propagandas para clientes de lojas virtuais;
- Envio de descontos da editora de uma instituição de ensino aos seus alunos;
- Dados de crianças e adolescentes e rede wi-fi da escola;
- Câmera de segurança em shopping center.
Conclusão
O legítimo interesse é uma base legal de tratamento no âmbito da LGPD que permite o tratamento de dados pessoais gerais, desde que sejam atendidas as condições de compatibilidade com a legislação, lastro em situações concretas e vinculação a finalidades legítimas, específicas e explícitas. Essa hipótese também pode ser aplicada para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, desde que sejam observados e prevaleça o princípio do melhor interesse desses indivíduos.
Ao utilizar o legítimo interesse como base legal para o tratamento de dados pessoais, os controladores devem avaliar e equilibrar os interesses do controlador ou de terceiros com os direitos, legítimas expectativas e liberdades dos titulares. É essencial garantir a autodeterminação informativa dos titulares e oferecer meios para que exerçam seus direitos de maneira efetiva.
Em resumo, o legítimo interesse é uma importante base legal na LGPD, porém requer uma análise cuidadosa e criteriosa, garantindo a proteção dos dados pessoais. Um bom software LGPD e a consultoria certa podem te auxiliar na análise desse balanceamento.